Sobre a Cultura de Paz
Aprender, fazendo o que não se sabe fazer
Aprendizagem: uma necessidade imposta pela vida
A vida coloca-nos,
com maior ou menor frequência, conforme nossa idade e condição e,
também, em virtude de nossas escolhas, frente a situações novas, que
procuramos dominar sem reinventar completamente a pólvora, lançando mão
de nossas aquisições e experiências, entre a inovação e a repetição. Boa
parte de nossas condições de existência é desse tipo. Com efeito, nossa
vida não é tão estereotipada para que, a cada dia, tenhamos exatamente
os mesmos gestos para fazer, as mesmas decisões para tomar, os mesmos
problemas para resolver.
Ao mesmo tempo, não é
tão anárquica ou mutante que devamos, constantemente, reinventar tudo. A
vida humana encontra um equilíbrio, o qual varia de uma pessoa ou fase
do ciclo de vida para outra, entre as respostas rotineiras para
situações semelhantes e as respostas a serem construídas para enfrentar
obstáculos novos. (PERRENOUD, 1999, pp.28-29)
Certa vez, durante um
trabalho de grupo com professores, perguntou-se aos participantes que
tipo de coisas se aprende ao longo da vida. A primeira resposta ouvida
foi "Tudo!", acompanhada por olhares que pareciam expressar hesitação,
certeza, indignação, curiosidade, dúvida, concordância, discordância,
reflexão e tantos outros sentimentos humanos que podem ser despertados
quando o assunto tratado é tão essencial: aprendizagem.
Essencial porque,
como diz Perrenoud (1999), estamos constantemente sendo confrontados a
situações mais ou menos novas, para as quais sentimos necessidade de
encontrar soluções, sejamos nós um bebê de alguns meses de idade que faz
movimentos inéditos na tentativa de alcançar um brinquedo que nos
interessa, um adolescente que ensaia suas primeiras aproximações da
garota de quem gosta, assumindo sua escolha diante dos colegas, ou um
adulto que discute com o computador porque não consegue obter os
resultados que deseja com os comandos que está aprendendo a executar.
Entretanto, as nossas
reações diante de grande parte das experiências deste tipo, em que se
precisa construir respostas para enfrentar os novos obstáculos, mostram
que tendemos a não encarar com tanta naturalidade estas situações:
queixamo-nos, desejamos que alguém mais experiente pudesse resolver o
"problema" em nosso lugar, tentamos fugir, acusamos alguém de estar nos
causando este "problema", sentimo-nos impotentes, entre outros. Todas
essas reações sugerem que a incerteza e o desconhecido provocam em nós
uma grande dose de desconforto, ao passo que a certeza e o conhecido
despertam, na maior parte das vezes, sensação de estabilidade e
equilíbrio.
O que fazer, então,
diante desta realidade? Um bom começo para enfrentarmos os diferentes
desafios com os quais nos defrontamos ao longo da vida - em diferentes
idades, em função das diferentes escolhas que fazemos e das diferentes
condições em que nos encontramos - com menos angústia, poderia ser uma
mudança de foco, de perspectiva.
Essa mudança pode ser
expressa da seguinte forma: transferir parte da energia que investimos
na busca incessante de resultados prontos, certos e ideais - que muitas
vezes nos paralisam totalmente, pelo medo que sentimos de conseguir como
resultado qualquer coisa que não seja a "perfeição" - para a
compreensão e desenvolvimento dos processos que nos conduzirão
inevitavelmente aos resultados - de forma progressiva e constante.
A prática de
construir combinados tem sido realizada por diversos educadores e
instituições de ensino, com sucesso. As teorias mais recentes sobre
educação costumam apoiar esta idéia, defendendo um panorama mais
democrático em sala de aula. Como não podemos voltar no tempo e ao mesmo
tempo precisamos mudar para garantir uma relação de respeito entre
educadores e educandos, acreditamos que investir na construção de
combinados e lutar para mudar a concepção vigente sobre autoridade são
condições essenciais para o fortalecimento da cultura da paz - tão
almejada - na sociedade.
Ao invés de, por
exemplo, ficarmos frustrados porque não estamos percebendo a motivação
que esperávamos em uma determinada turma - o que corresponderia ter o
foco no resultado, reforçando o nosso sentimento de frustração, o que
interfere de forma negativa em nossas ações -, podemos reavaliar a nossa
própria percepção sobre a situação (existe algum momento em que os
alunos parecem mais motivados? menos motivados? a que estou atribuindo
esta falta de motivação? seria possível pensar em outras razões para
este comportamento da turma?), a forma como estamos comunicando as
nossas necessidades à turma e ouvindo as dos alunos, ou as estratégias
que estamos utilizando para alcançar os nossos objetivos (afinal de
contas, é loucura tentar conseguir resultados diferentes fazendo as
coisas sempre do mesmo jeito!) - e nestes três casos, o nosso foco
estaria sendo o processo, fortalecendo o nosso sentimento de
possibilidade de mudança, o que interfere de forma positiva em nossas
ações.
Conhecimentos e Competências: uma questão de prioridade
Sejamos nós crianças,
jovens ou adultos, estamos em constante processo de formação,
aprendendo quem somos nós, a nossa língua, a nossa cultura, os nossos
valores, aprendendo a nos relacionar com nossos pares ou com pessoas de
idades diferentes das nossas, aprendendo a aprender, a trabalhar, a
responsabilizarmo-nos por nossas atitudes e escolhas, a tornarmo-nos
independentes, a impor nossos desejos, a canalizar nossa agressividade
de diferentes formas... e todos esses aprendizados tornam-se possíveis
se, e apenas se, estivermos dispostos a "aprender, fazendo, o que não se
sabe fazer" (MEIRIEU in: PERRENOUD, 1999, p.55).
Se observarmos com
atenção nossas atitudes, e as das pessoas ao nosso redor, principalmente
se já somos adultos, perceberemos que nossa tendência é hesitar diante
de situações inéditas, como se estivéssemos esperando o momento ideal,
aquele em que estaríamos preparados, para enfrentar o novo desafio:
hesitamos em começar a escrever um texto, a falar em uma língua
estrangeira, a assumir uma nova função, a conversar com uma pessoa
estranha, a colocar em prática uma estratégia diferente para trabalhar
com os alunos em sala de aula, a entrar em uma sala de aula onde não
conhecemos os colegas. Entretanto, este momento, em que estaríamos
prontos, não existe, ele é ideal.
Por exemplo, o ato de
caminhar. Para nós, adultos, este é um comportamento tão automático que
até mesmo esquecemos que, para chegar ao nível de desempenho que temos
hoje, passamos por um processo longo e muitas vezes penoso - tanto
física como emocionalmente. Além da imprescindível maturação do sistema
nervoso central, foi-nos necessário executar uma série de movimentos que
avançavam em níveis crescentes de complexidade: controlar o movimento
dos quatro membros e da cabeça, rolar, ficar de quatro, engatinhar,
ficar de pé, andar com apoio, andar sem apoio, correr. E esse mesmo tipo
de disposição para "fazer o que ainda não se sabe fazer" é que nos
permite desenvolver as mais diversas competências.
Competência é "[...]
uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação,
apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles" (PERRENOUD, 1999,
p.7). Há algum tempo, durante um trabalho com outro grupo de
professores, uma das participantes comentou que achava curioso o fato de
que muitas vezes temos muita familiaridade com uma determinada
informação, mas que isso não garante, por si só, que sejamos capazes de
fazer uso deste conhecimento. Existe atualmente um investimento cada vez
maior em campanhas informativas - de prevenção a AIDS e às DST, contra o
abuso do álcool, contra epidemias como a dengue, entre outras -, mas é
interessante perceber que apesar disto, ainda persiste uma lacuna
significativa entre a quantidade e a qualidade de informação transmitida
e os resultados efetivos alcançados. E este é apenas um dos inúmeros
exemplos que poderíamos explorar para discutir a relação entre
conhecimento e competência.
"Sabemos" como
podemos nos comunicar para evitar mal entendidos, como gostaríamos de
educar nossos filhos, como devemos agir para respeitar os mais velhos,
conhecemos as fórmulas de física e as regras gramaticais do português...
mas quanto deste conhecimento realmente conseguimos colocar em prática?
Por que esta lacuna entre o que se "conhece" e o que se "coloca em
prática" se mantém?
Segundo PERRENOUD
(1999, p.8), as nossas competências - que são expressas através de
nossas ações - "não são, em si, conhecimentos; elas utilizam, integram,
ou mobilizam tais conhecimentos". Conhecimentos "[...] são
representações da realidade, que construímos e armazenamos ao sabor de
nossa experiência e de nossa formação" (PERRENOUD, 1999, p.7).
Competência é mais do que a aplicação pura e simples de conhecimentos,
pois ela implica um juízo que permite avaliar a pertinência dos
conhecimentos para dada situação e mobilizá-los com discernimento.
Portanto, se o que se
deseja é, por exemplo, que um jovem coloque em prática, no seu
cotidiano, valores que aprende na família, na escola e/ou com colegas,
tais como tratar as pessoas com respeito, é necessário mais do que a
repetição pura e simples de informação. Da mesma forma, se nós, adultos,
desejamos sair do plano do discurso e colocar em prática, no nosso
cotidiano, atitudes que consideramos ideologicamente valiosas, tais como
respeito, profissionalismo e cidadania, precisamos ir além das idéias.
"Trabalhar para o desenvolvimento de competências não se limita a
torná-las desejáveis, propondo uma imagem convincente de seu possível
uso, nem ensinando a teoria, deixando entrever sua colocação em
prática". (PERRENOUD, 1999, p.55).
Desenvolver
competências significa, portanto, encontrar um equilíbrio entre os
conhecimentos e sua implementação, pois ambos são complementares. Não se
trata, de forma alguma, de valorizar um em detrimento do outro, mas sim
de estabelecer prioridades, visto que tanto a transmissão de
conhecimentos como o desenvolvimento de competências exigem tempo.
Precisamos decidir o que queremos para nós, assim como para as nossas
crianças e adolescentes: "cabeças bem-cheias" - investindo
preferencialmente na aquisição do campo mais amplo possível de
conhecimentos, sem preocuparmo-nos com sua mobilização em situações do
cotidiano, pois confiamos que a construção de competências ocorre de
forma espontânea - ou "cabeças bem-feitas" - privilegiando o exercício
intensivo da mobilização de conhecimentos em situação complexa, com a
consequente necessidade de limitação da quantidade dos conhecimentos
ensinados.
Que competências buscamos?
Aponta-se com enorme
frequência, atualmente, no contexto escolar, falhas no desenvolvimento
de competências dos alunos, tanto no nível cognitivo (dificuldade em
identificar o problema, em diferenciar as informações relevantes das
irrelevantes, em formular hipóteses, em estabelecer comparações de forma
espontânea, em relacionar diferentes fontes de informação e/ou
experiências, em comunicar-se através de uma linguagem clara e precisa,
impulsividade, entre tantas outras), como no nível emocional
(dificuldade em identificar seus sentimentos e expressá-los de forma
adequada, baixa tolerância à frustração, agressividade, baixa
auto-estima, entre outros) e no nível social (dificuldade em conviver
com a diferença, em trabalhar em grupo de forma cooperativa, em
comunicar-se sem agredir, em responsabilizar-se pelos seus atos,
envolvimento em brigas, falta de espírito de cidadania, entre outros).
Sem dúvida alguma, todas elas são competências fundamentais no processo
de formação desses jovens, ou melhor, de jovens e adultos, afinal de
contas, quem não conhece um único homem ou mulher que não sofra, no seu
cotidiano, as consequências de falhas significativas em algumas das
competências acima citadas?
Mas, como afirmamos
anteriormente, tais competências não se constróem simplesmente através
da exposição a informações, e muito menos de forma espontânea, como se
fizessem parte da "programação" de todo ser humano.
As potencialidades do
sujeito só se transformam em competências efetivas por meio de
aprendizados que não intervêm espontaneamente, por exemplo, junto com a
maturação do sistema nervoso, e que também não se realizam da mesma
maneira em cada indivíduo. [...] As competências, no sentido que será
aqui utilizado, são aquisições, aprendizados construídos, e não
virtualidades da espécie (PERRENOUD, 1999, pp.20-21)
A construção de competências não se faz do dia para a noite...
Como conseguimos, por
exemplo, chegar a um ponto em que basta darmos uma olhada em um
problema de matemática para identificarmos imediatamente a sequência de
raciocínio necessária para resolvê-lo... ou que somos capazes de nos
aproximar de uma pessoa que nos evita ou nos hostiliza porque está muito
chateada conosco... ou que conseguimos envolver um determinado aluno de
forma tal que ele passa a contribuir com a coesão do grupo ao invés de
prejudicá-la?
Há pessoas que fazem
isso de forma tão eficiente, espontânea e imediata que tendemos a
acreditar que elas foram abençoadas com um dom muito especial. É verdade
que cada um de nós possui diversos dons (e, infelizmente, muitos de nós
passam a vida sem descobrir ou valorizar muitos deles!), coisas que
somos capazes de fazer com muita maestria e desenvoltura. Contudo, os
desafios com os quais nos deparamos no nosso cotidiano exigem de nós
atitudes que, na maior parte das vezes, não são nada espontâneas (como,
por exemplo, não agredir quando se está "fervendo" por dentro), que
exigem de nós um grande dispêndio de energia, muita paciência e
tenacidade, mas que podem gerar resultados extremamente recompensadores.
Para que estejamos melhor preparados para engajarmo-nos neste processo
de construção de competências, que tal darmos uma olhada mais de perto
nos elementos que o compõem?
Nascemos providos de
alguns poucos esquemas hereditários, a partir dos quais construímos
outros de maneira contínua. Tomemos como exemplo a nossa comunicação. Na
idade adulta, somos capazes de adaptar a nossa comunicação (estilo de
linguagem, entonação, tom de voz, ritmo, linguagem corporal, conteúdo) a
diferentes contextos e pessoas (em casa, com diferentes amigos, com
colegas de trabalho, com desconhecidos, com colegas de turma, com
crianças pequenas, com pessoas com necessidades especiais, na rua, em
uma reunião, em uma festa, entre outros).
Contudo, essas
habilidades são desenvolvidas de forma progressiva e constante, desde o
nosso primeiro dia de vida. O reflexo do choro é uma capacidade inata ao
ser humano, que utilizamos durante um bom tempo para dar expressão e
comunicar os nossos estados interiores de desconforto, para os quais
ainda nem temos rótulos, mas que já estamos começando aprender, através
das crianças e adultos que conversam conosco, interpretando nosso choro e
dizendo se estamos tristes, com fome ou cansados. Aos poucos, vamos
sendo obrigados pelo ambiente ao nosso redor (adultos) a substituir o
choro por outros esquemas de comunicação, mais precisos e elaborados,
como os gestos e a linguagem verbal.
Quando não somos
confrontados com esta necessidade imposta de aperfeiçoar os nossos
esquemas de comunicação, temos grandes chances de mantermo-nos
estagnados nos esquemas que já estão bem cristalizados e integrados em
nós. O mesmo acontece com a nossa forma de resolver problemas, de
trabalharmos, de relacionarmo-nos com as pessoas ao nosso redor, de
lidarmos com conflitos, de impormos as nossas necessidades e desejos, de
darmos vazão a nossa agressividade, para citar apenas alguns exemplos.
Portanto, podemos
dizer que, ao longo de sua vida e partindo de alguns poucos esquemas
inatos (considerando esquema como uma "[...] estrutura invariante de uma
operação ou de uma ação, [que] não condena a uma repetição idêntica. Ao
contrário, permite, por meio de acomodações menores, enfrentar uma
variedade de situações de estrutura igual" [PERRENOUD, 1999, P.23]),
todo indivíduo desenvolve uma série de outros esquemas, mais complexos e
diversificados, que lhe permitem buscar soluções eficientes para as
situações nas quais ele se encontra.
No ser humano, com
efeito, os esquemas não podem ser programados por uma intervenção
externa. Não existe, a não ser nas novelas de ficção científica, nenhum
"transplante de esquemas". O sujeito não pode tampouco construi-los por
simples interiorização de um conhecimento procedimental. Os esquemas
constroem-se ao sabor de um treinamento, de experiências renovadas, ao
mesmo tempo redundantes e estruturantes, treinamento esse tanto mais
eficaz quando associado a uma postura reflexiva. (PERRENOUD, 1999, p.10)
Afirmamos há pouco
que a construção de competências não se dá nem de forma espontânea (que
equivaleria à famosa expressão: "aprender por osmose"), nem por simples
exposição a informações (através de regras, procedimentos, leis,
comandos, dicas, instruções, diretrizes, descrições, ordens e tantas
outras formas de comunicação), e acrescentamos agora que ela não
acontece através de um "transplante" (mas, apesar disso, vivemos
dizendo: "Ah, se eu pudesse abrir essa cabeça e enfiar tudo o que
precisa ser aprendido dentro... seria tão bom!"). PERRENOUD aponta-nos
outros dois elementos essenciais para a construção de competências, além
dos esquemas: treinamento e reflexão.
O treinamento, que
implica a oportunidade de experiências renovadas e, ao mesmo tempo,
redundantes e estruturantes, permite o trabalho isolado dos diversos
elementos de uma competência e a integração desses elementos em situação
de operacionalização. É possível enumerar uma série de situações
cotidianas que ilustram esta idéia: um tenista que pratica alguns
movimentos isolados a fim de dominá-los e aperfeiçoá-los, ao mesmo tempo
em que progressivamente os insere em situação de jogo; um professor que
exercita algumas técnicas de ensino durante um curso e aos poucos
integra algumas delas em suas próprias aulas; um adolescente que conhece
e exercita formas alternativas para lidar com conflitos cotidianos nos
encontros do grupo de Embaixadores da Não-Violência, e aos poucos aplica
tais conhecimentos fora do grupo, em casa, na escola, em outros grupos
de jovens, entre outros.
O que há em comum
entre todas as situações enumeradas é o uso do tempo para praticar e
aperfeiçoar as novas habilidades, e a reflexão. Por que a reflexão?
Porque em todas as competências citadas, existe um caráter de novidade,
de ampliação dos esquemas de ação já existentes (seja para o tenista que
já possuía um bom nível de coordenação motora antes de começar a
aprender a jogar tênis; seja para o professor que já utiliza uma série
de técnicas de ensino em sala de aula, consciente ou inconscientemente;
seja para o adolescente que vai substituir algumas das atitudes que
utilizava para enfrentar situações de conflito).
Ou seja, é preciso
encontrar alternativas para um esquema já cristalizado (aquele em que
não se observa "quase nenhuma defasagem entre o momento em que se
apresenta a situação e o momento em que o sujeito reage", a mobilização é
quase instantânea), pois na situação atual ele não se mostra eficaz, e a
mobilização de novos esquemas "não é evidente, não é rotinizada, requer
uma reflexão, uma deliberação interna, uma consulta até de referência
ou de pessoas-recurso" (PERRENOUD, 1999, p.25).
Portanto,
independentemente do tipo de competência de que estejamos falando
(cognitiva, emocional ou social), o estabelecimento de esquemas
cristalizados (que nos permitem responder adequadamente às situações de
forma quase automática, com um nível tal de desenvoltura e domínio que
pode até parecer, aos olhos de outros, que se trata de habilidades e
competências inatas) é fruto de um processo de aprimoramento constante,
que depende de tempo para a prática e a reflexão, e uma prática que
mescle de forma equilibrada repetição e variedade de estímulos.
Ao mesmo tempo, nunca
chegará um momento, na vida de nenhum de nós, em que teremos rotinizado
todos os esquemas necessários à nossa sobrevivência, pois teremos, com
maior ou menor frequência, obstáculos e limites dos conhecimentos e dos
esquemas disponíveis, que nos obrigarão à passagem de um funcionamento
já cristalizado para um funcionamento reflexivo, o que nos confere uma
das características mais fundamentais do ser humano: flexibilidade.
Algumas conclusões...
Ao observarmos com
atenção os nossos dias e os nossos sentimentos diante das situações nas
quais nos colocamos, torna-se claro - mas não necessariamente algo fácil
de se assumir! - que a aprendizagem é uma necessidade constantemente
imposta pela vida.
Aprender significa
tornar-se capaz de colocar em prática, no momento oportuno,
conhecimentos que se adquiriu através das mais diversas experiências
(observando os fenômenos da natureza, respeitando e desrespeitando
regras, assistindo às aulas na escola, brincando, observando as atitudes
das pessoas ao nosso redor, conversando, ouvindo conversas de outras
pessoas, viajando, comendo, praticando esportes, lendo, fazendo
algazarra, indo a festas... é infinito o número de experiências que
podem nos proporcionar aprendizados!), significa construir competências.
Desde o nosso
nascimento até o dia de nossa morte, temos oportunidade para desenvolver
competências em diversos campos: cognitivo, emocional, social. Contudo,
elas não surgem de forma espontânea, não podem ser transferidas como em
um passe de mágica e também não são inatas. Elas são construídas
através de um processo contínuo e constante que exige tempo, reflexão e
muita prática. Vida dura, não é? Não é à toa que se diz que "cada um
gostaria de saber, mas não necessariamente de aprender" (MEIRIEU in
PERRENOUD, 1999, p.69)!
Entretanto, é a
construção de uma grande variedade de competências, em níveis crescentes
de complexidade, que permite a nossa evolução e quem sabe isto seja o
que mais nos deixa felizes: saber que estamos crescendo (não é verdade
que muitas vezes, quando conseguimos coisas que desejávamos há muito
tempo, ou temos sucesso, ou realizamos nosso sonhos, ficamos felizes mas
logo em seguida sentimo-nos insatisfeitos ou já estabelecemos novas
metas, isso quando não chegamos a pensar "Mas era só isso?")!
A Violência, em suas
múltiplas formas e níveis de expressão, sinaliza-nos que precisamos
desenvolver novas competências, pois muitos dos esquemas que já temos
constituídos têm-se mostrado ineficazes e até mesmo inadequados. Nas
relações humanas, por exemplo, percebemos que grande parte das agressões
e violências cometidas, tanto físicas como simbólicas, surge como forma
de defesa e, maior parte das vezes, ao invés de levar a uma solução dos
problemas, provoca o seu agravamento.
O trabalho
desenvolvido pelo Projeto Não-Violência® tem como objetivo, tanto no seu
programa voltado para os jovens - Embaixadores da Não-Violência - como
naqueles voltados para os adultos - Grupos de Aprendizagem e Qualidade
de Vida - a construção de competências: desenvolver habilidades
cognitivas, emocionais e sociais para lidar com problemas e conflitos de
forma pacífica (e não passiva!), quebrando o ciclo da agressão e
garantindo o respeito a si próprio e ao outro.
Entendemos que a
quebra deste ciclo não é uma tarefa fácil, pois implica trabalhar nossas
próprias resistências, que são muito verdadeiras e racionais (preservar
interesses adquiridos, não querer complicar a vida e nem ter muito
trabalho, não ter certas incompetências colocadas em evidência, não
ameaçar o frágil equilíbrio construído em várias relações interpessoais,
não ter angústias reanimadas, para citar apenas algumas...).
O primeiro passo
poderia ser, então, dar-se o direito de ousar e falar dessas
resistências e reações, e trabalhar a partir delas, investindo tempo,
reflexão e prática para, cada vez mais, ter coragem para "aprender
fazendo o que não se sabe fazer".
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